segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A Professorinha em Mim



Este é, sem sombra de dúvidas, um post de desabafo. Então vou me desculpando com os impacientes antes mesmo de começar a narrativa. Paciência meu povo, eu também tenho meus momentos de mandar tudo às favas.

Comecei a lecionar aos 18 anos. Juro que foi algo completamente circunstancial. Eu havia voltado há pouco dos EUA, estava com o inglês tinindo e tinha uma mãe que me dava parcos R$ 50,00 de mesada. O que são R$ 50,00 para uma criatura de 18 anos louca por roupas e farra? NA-DA. Então tive a brilhante idéia de dar aulas de inglês. Por coincidência eu tinha um amigão que já ensinava fazia um tempo, ele me indicou no curso que ele ensinava e antes que eu me desse conta, já estava em uma sala de aula.

Uma vez uma diretora de um dos diversos cursos onde trabalhei falou uma célebre frase: "Lecionar é como cachaça, uma vez que entra na sua corrente sanguínea é difícil de desintoxicar." E eu me embriaguei, não vou mentir. Dar aulas mexia com minha criatividade, sempre tentando algo novo para as turmas, e me deixava muito mais rica do que qualquer amiga minha. Aos 20 anos eu ganhava R$700,00, MUITO mais do que qualquer amiga minha.

Daí para o curso de letras foram alguns anos, porque o que eu queria MESMO era publicidade ou moda, mas já que eu já estava ali dentro há tanto tempo, letras me pareceu mais possível, um meio onde o fim já estava pré-justificado.

Eu me tornei uma grande professora, literalmente idolatrada por vários alunos. Até hoje eu recebo recados e telefonemas de alguns ex-alunos que fecharam a prova de inglês no vestibular, ou que estão se mudando para outros países. Eles JURAM que eu fui parte importante no processo, eu agradeço e fico comovida.

Eu fui sim, uma grande professora, mas no meio desse longos 15 anos de sala de aula, eu perdi essa grande professora dentro de mim. Ela foi sendo podada, podada até morrer. Podada pela indisciplina em sala de aula, um lugar onde não há mais hierarquia, educação doméstica, nem respeito. Podada pela frustração de passar horas pesquisando novos jogos, novos filmes, novas músicas na frente de um computador, tudo para ser transformado em fichas para ajudar a aprendizagem dos meus pupilos, material atual, interessante, criativo, para chegar animada com a novidade em sala de aula e apenas 5 alunos de uma turma de 30 estarem realmente interessados em assistir a aula. Frustrada por ver essas mesmas fichas sacudidas no lixo, no chão, ou feitas de aviãozinho. Ela foi sendo dizimada por um método de ensino reconhecido pelo MEC, mas que não funciona mais nos dias atuais. Gente, nossos alunos passam ONZE anos na escola, porque é que nós temos que continuar ensinando gramática para um monte de alunos que mal sabe o vocabulário, se podemos instituir um esquema de "cursinho de inglês" na escola e ter alunos bilíngues se formando? Ela foi sendo apagada pouco a pouco pela absoluta falta de resultados afinal se um aluno não se interessa em prestar atenção na aula, imagina as notas que vem a seguir. Pior do que as notas, a reação é desesperadora. Um aluno tira 2,0 e não está nem aí, aí o vizinho tira 2,5 dá uma GARGALHADA e grita para o colega: TIREI MAIS QUE TU!

Quem não é professor, não tem noção do que é estar em uma sala de aula. É cansativo, estressante, algumas vezes intimidador, e muitas vezes frustrante. Cansei de chegar em casa arrasada e conversar com o marido sobre mil problemas dos meus "meninos". Eu não consigo não me importar, não consigo agir "pelo dinheiro", eu me preocupo, de verdade. E assim eu ia acabar arrumando uma úlcera só pela agonia.

Aí tem o caráter crescimento. O crescimento do professor é sair de uma escola que paga menos para uma escola que paga mais. Ou parar de ensinar em escola para começar a ensinar em faculdade. E PONTO. Tirando isto, não há o crescimento profissional que nós vemos por aí, que inclui promoção de cargo, bônus, reconhecimento. Este último então, é tão raro de se ver nesse meio que chega a dar nojo. Tirando que o salário é péssimo, ganhar bem no meio só se você se dispuser a trabalhar 24/7. O ápice do reconhecimento normalmente é: Você fez um bom trabalho, porque o normal do reconhecimento é não ser demitido no final do ano.

Aliás, falando em final do ano. Enquanto os brasileiros estão se preparando para o Natal, organizando e comprando os presentes. Montando as árvores de Natal, e pendurando guirlandas em suas portas. Nós, professores, estamos em suspenso, esperando o dia 20 de dezembro que é designado como o último dia do ano para se demitir um professor, depois disto a escola que demitir tem que pagar os próximos 6 meses de salário do mesmo. Tem noção do que é ver todo mundo correndo para os shoppings para adiantar os seus presentes e você não ter noção se esse ano VAI ROLAR presente ou não? Dezembro não é o mês do Natal para nós, é o mês da faca, o Scrooge é menos assustador do que o dia 20 de dezembro.

Diante de todo o exposto eu esse ano resolvi jogar a toalha. LITERALMENTE. Eu não aguento mais reclamar para o marido e os amigos sobre como estou insatisfeita. Estou cansada de receber no final do mês e meu salário não dar para absolutamente nada. Estou cansada de me envolver, procurar, correr atrás e no final dar com a cara em um muro de ignorância aplaudida. Entrei em acordo com a escola onde trabalho há 6 anos e eles estão me demitindo. Com direito à tudo, barba cabelo e bigode mesmo.

Você deve estar me chamando de louca né? Pois eu, no momento, sou a louca mais feliz do mundo. LI-VRE. Sou a louca mais sonhadora. A louca mais mãe. A louca mais aliviada. A louca mais positivista. Vou começar tudo de novo do zero. E eu tô achando lindo. Se eu tenho vontade de ter outro filho já tendo uma de ONZE anos. Começar tudo de novo não vai doer. Mês que vem começo um curso de corte e costura. Pode demorar mais 20 anos, mas minhas conquistas daqui por diante dependerão unica e exclusivamente da minha vontade e perseverança. E os que me conhecem bem sabem, eu sou um cavalo de batalha quando quero alguma coisa. E prometo para mim mesma não deixar paredes em pé se preciso for....porque eu tenho um cabeção, e ele é duro que só a porra.

Beijos e Lambidas


9 comentários:

  1. querida, feliz recomeço.
    e não te acho louca, te acho corajosa. corajosa de dar um basta, de começar de novo, de sair daquela zona de conforto que mais estressa do que conforta.
    vida de professor não é fácil e você tem razão: só quem pisou em uma sala de aula e vestiu a camiseta de docente que sabe o que é isso. o resto é lugar-comum. nossa profissão é a mais desvalorizada, sendo que devia ser a principal. a gente forma gente... quer dizer, a gente quer formar gente. mas o sistema (sempre ele) prefere que a gente tente criar gado. e os alunos se comportam como tal, os pais tb, as instituições também...
    a gente é iludido. a gente acredita que um dia dá certo e continua. 15 anos depois, CRAU, tudo na sua bunda de novo.
    enfim, é horrível e difícil. bom pra você que já pensou no plano B. e cê sabe que tudo vai dar certo no final.

    beijo, bom ano novo e vida nova.
    tchamo!

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  2. Cara, me identifico. Eu fiz um acordo no escritório onde trabalhei por 9 anos e tô feliz na minha vida de Amélia. Recebi 5 parcelas de seguro-desemprego e só em Fevereiro é que vou me preocupar com emprego novo.
    Me fez bem... e vai te fazer bem também, porque, chega uma hora que MUDAR é preciso.

    Beijocas e boa sorte na vida nova de corte e costura, amém!

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  3. Meu sonho desde pequena foi ser professora. Criança, né? Eu cresci, prestei vestibular de direito e hoje estou indo pro segundo ano. O sonho de ser professora não morreu, mas a realidade fala mais alto. Tudo o que você relata é duro demais e eu me sinto de mãos atadas por não poder mudar isso. É frustrante saber que não dá para fazer o que se ama e ser feliz. É desgastante demais e a recompensa nunca chega. Então eu só tenho a te dizer parabéns por um dia ter sido professora, parabéns por ter se importado tanto todos esses anos e a maior boa sorte do mundo para você nessa nova etapa, que com certeza será de muito sucesso.
    Um beijão, Bela.
    P.S. Eu nunca comentei aqui, mas ADORO seu blog!

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  4. Li o blog todo com pesar, mas sem surpresa. Meu marido queria ser professor, e depois de alguns anos dando aula em curso técnico, deu um basta e parou. A sorte é que era o segundo emprego dele, nós nunca dependemos do salário de professor.

    Aí você terminou dizendo que está indo embora e fiquei feliz por você. Acredito em novos começos, em milhões de começos e quantos começos forem necessários. Porque da vida a gente leva o desafio, a felicidade. Parabéns pela decisão e boa sorte!

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  5. Parabéns pela coragem. Não é qualquer um que consegue dar um basta à própria instisfação. E que bom que você tem uma família que te apóia numa hora dessas. Imagine quantas pessoas ouviriam do marido ou da esposa que isso é a maior das burrices. Mas não é não. Burrice é ficar sofrendo em vão. Boa sorte na vida nova.

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  6. Linda amiga,
    Meu curso é uma licenciatura. hunph! Logo eu! Que desisti de ensinar aos 19. Mas faço por onde meu amor (e o curso) dar em outros caminhos...Sempre é tempo de recomeço e que o nos mova seja o amor, amada!
    Ah, vc tá no último post do brogui!

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  7. Barata,

    olha, este teu post me tocou de um jeito que você jamais vai imaginar. Por vários motivos.

    1. Eu AMO educação, e tudo o que tem a ver com ela. Ser professora era um dos meus planos e eu ainda acho que vou me aposentar e virar professora. Mas fico preocupada poir isso tudo que você levantou é meio que generalizado no país.

    2. A que ponto chegamos, né? Quem foi que não percebeu ainda que o professor é a principal profissão de um país? Tão importante quanto um médico, pois uma boa educação salva muitas vidas...

    3. Tenho tido estes mesmos pensamentos de mudança, mas o papo é meio profundo e ainda estou diregindo, por isso não tornei público no blog como você.

    4. Acho que a vida é muito curta pra gente ficar se podando. Seja por qual motivo for.

    5. E mais importante: decidi pra minha vida que quero que o trabalho seja uma consequência das minhas decisões, e não o contrário.

    Enfim, desejo sucesso e muita, muita felicidade no novo plano!!

    Beijos

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  8. Vichhhe Maria!
    Minha mulher manja muito de costura...se quiser umas dicas.
    Há braços!!

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  9. Uau! Que desabafo!!!
    Sei exatamente como se sente! Sou professora há 10 anos, comecei aos 17. E o tempo passa, e continuo nessa. Sempre trabalhei com Educação Infantil... o pior é que eu gosto! [rs] Mas como não poderia deixar de ser, a insatisfação por N motivos é inevitável... descaso por parte dos pais de alunos, salário baixo, excesso de trabalho, etc etc etc... Mas não consigo largar essa profissão, é dura, cansativa... mas tenho um amor tão grande pelo que faço, que fica difícil. O pior é que não dá pra viver só com o salário de professor, e por isso tenho um outro emprego em outra área que não tem nada a ver com minha profissão. Durante o dia dou aulas e a noite sou recepcionista em eventos e shows... Não é mole! Ainda não sei exatamente até quando vou aguentar, mas por enquanto ainda tá dando! [rs]
    Mas fiquei muito feliz por ter se libertado!!! Parabéns e sucesso em tua nova vida e tuas novas escolhas!

    Beijocas!!!!

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